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Reportagem Publication logo Julho 5, 2023

Sementes para o Amanhã: comunidade indígena na Amazônia encontra na piscicultura uma fuga da contaminação por mercúrio e agrotóxicos

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indigenous woman
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Na região da Serra da Lua, em Roraima, as comunidades indígenas abraçam a sua ancestralidade na...

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Projetos de piscicultura sustentáveis, como o da comunidade de Tabalascada, em Roraima, têm ganhado mais importância frente à degradação provocada por lavouras e garimpos ilegais.


Deodato lança a rede
Deodato lança a rede. Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

São 5:30 da manhã do domingo de dia das mães. Deodato Leocadio, do povo Wapichana, prepara o café enquanto espera a visita do atual tuxaua (cacique), que virá buscar a doação de peixes para o almoço comemorativo da comunidade de Tabalascada.

Lá fora, o barulho da chuva forte que marca o inverno amazônico se sobrepõe ao canto de galos e galinhas, ao latido de cães e ao ronco dos porcos. Havendo trégua, Deodato joga o milho que alimenta os animais, que andam soltos ao redor da casa, bastante afastada do centro da comunidade.

Sob a lâmpada tênue que ilumina a casa, Deodato abre as caixas térmicas onde os peixes, pescados no fim do dia anterior, são guardados com gelo para manter o frescor até a hora do almoço comemorativo.


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“A piscicultura foi uma forma que encontramos para poder continuar comendo um peixe saudável”, diz Andreia Machado, esposa de Deodato, também do povo Wapichana. Desde 2019, o casal é responsável por cuidar das centenas de tambaquis, peixes tradicionais da região, criados como parte do projeto de piscicultura da comunidade.

Fish caught the day before, in the ice box to stay fresh.  — Photo: Amanda Magnani
Peixe pescado no dia anterior, na caixa de gelo para continuar fresco. Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

A comunidade de Tabalascada fica localizada na terra indígena (TI) de mesmo nome, no município do Cantá, em Roraima. A TI é uma entre nove da região da Serra da Lua, que é caracterizada por terras demarcadas em ilhas: territórios menores, cercados por fazendas e lavouras – diferentemente de TIs como a Raposa Serra do Sol e a Terra Yanomami, ambas no mesmo estado, que são demarcadas em terra contínua.

Demarcada e homologada em 2005, a TI Tabalascada possui 13 mil hectares e abarca três comunidades: Laje, Campinarana e Tabalascada. A TI tem uma população de aproximadamente 980 habitantes, segundo o censo realizado pelas comunidades em Junho.

Andreia takes the ice box to the tuxaua's car.  — Photo: Amanda Magnani
Andreia leva a caixa de gelo para o carro do tuxaua. Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

O tanque onde Deodato e Andreia criam os tambaquis fica nos fundos da casa onde vivem. São menos de cinco minutos de caminhada sobre uma grama fresca, à sombra de mangueiras. Uma cerca se abre e é logo fechada, para que os cavalos – em algum lugar depois de onde a vista alcança – não fujam.

Deodato holds the fishing net inside the tank.  — Photo: Amanda Magnani
Deodato segura a rede de pesca, dentro do tanque. Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

Chegando à margem, o tanque parece um lago natural. A água esverdeada e um pouco barrenta indica movimento: não só o nado dos peixes, mas também a presença de um “olho d’água”, uma nascente que alimenta o reservatório.

Ele foi escavado por volta de 2009 pelo pai de Deodato. Naquele momento, mesmo antes do surgimento do projeto de piscicultura, o pensamento que guiava seu pai era o de cuidar da comunidade – valores que ainda acompanham Deodato.

“Muitas vezes, deixamos de cobrar pelo peixe, porque conhecemos as pessoas da comunidade e sabemos as condições de cada um. Sabemos que há pessoas que passam necessidade e não podem pagar”, diz Deodato.

Tank where tambaquis are raised.  — Photo: Amanda Magnani
Tanque onde são criados os tambaquis. Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

Os tambaquis criados atualmente chegaram à comunidade através de um projeto do Campus Amajari do Instituto Federal de Roraima, que não só doou os alevinos (peixes recém-eclodidos dos ovos), mas também ofereceu uma formação para o cuidado dos peixes – algo que possibilitou a que Deodato e Andreia não repetissem erros do passado.

Andreia Machado in front of one of the igarapés where fishing is no longer possible due to contamination.  — Photo: Amanda Magnani
Andreia Machado em frente a um dos igarapés onde já não se pode pescar em função da contaminação. Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

“Da primeira vez que tentamos criar, colocamos mais de dois mil peixes no tanque, e quase todos morreram por falta de espaço”, conta Deodato. “Quando começamos em 2017, nós não sabíamos como criar peixes: não sabíamos a quantidade de ração, quanto tempo demorariam para crescer… Foi um processo de aprendizagem”, diz.

Deodato and Andreia untangle one of the tambaquis they caught.  — Photo: Amanda Magnani
Deodato e Andreia desemaranham um dos tambaquis que pescaram. Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

O projeto de piscicultura é apenas um dos projetos desenvolvidos pela associação de produtores da comunidade de Tabalascada, da qual Andreia é presidente. São aproximadamente 40 associados, mas menos de dez estão envolvidos nesse projeto específico.

Hoje, Deodato é responsável por alimentar os peixes, conferir a qualidade do pH da água e fazer a limpeza do tanque, que muitas vezes é feita com o apoio dos demais associados.

Nos últimos anos, projetos de piscicultura sustentáveis, como o da comunidade de Tabalascada, têm ganhado mais importância, especialmente com a contaminação de rios e igarapés com agrotóxicos das lavouras, e com o aumento da contaminação de peixes por mercúrio oriundo de garimpos ilegais no estado.


Deodato se prepara para lançar a rede (essa é menor e pega menos peixes, ele pode jogar sozinho, diferente da outra). Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

Andreia lembra que, antigamente, quando se pescava um peixe bem cedo pela manhã, ele permanecia em boas condições até o começo da tarde. “Hoje, mal chegamos em casa antes que o peixe esteja estragado", diz. Andreia conta que, há tempos, deixaram de pescar nos igarapés, e só comem o peixe que produzem.

Ela também recorda as ocasiões em que agrotóxicos dispensados por aviões em lavouras próximas à comunidade causaram danos à sua saúde e à de sua família, e compartilha sua preocupação com o futuro.

Andreia Machado, under trees on the bank of the tank where tambaquis are raised.  — Photo: Amanda Magnani
Andreia Machado, sob árvores na margem do tanque onde cria tambaquis. Imagem por Amanda Magnani. Brasil, 2023.

“O que vai acontecer quando chover? Toda essa água contaminada vem para cá, e vai nos afetar. Não sabemos o que esses químicos contém, mas sabemos que tudo isso vai estar nos nossos peixes”, diz.

Para o casal, a maior preocupação é com a produção de um alimento que seja saudável. Também por essa razão, sempre que possível optam por alimentar os tambaquis com uma ração caseira, feita com casca de macaxeira, buritis, abóbora e outros vegetais.

“Nosso foco nunca foi vender em grande escala, mas sim ter o peixe para nos alimentar”, Deodato explica, ao contar que o momento em que sua família passou mais necessidades em termos de alimentação foi quando não estavam produzindo peixe.

Mas a piscicultura também representa uma possibilidade de fonte de renda, que possa contribuir com o sustento da família e da comunidade. “Hoje, esse projeto realmente traz sustentabilidade, tanto familiar, quanto da comunidade, por isso não pensamos em deixá-lo acabar.”