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Um Só Planeta foi até Roraima conversar com moradores da Terra Indígena Raposa Serra do Sol sobre benefícios e desafios de projeto agroflorestal administrado por lideranças jovens da região
Vindos de todos os lados, sons de enxada ocupam o ambiente. Em cada canto da roça, jovens trabalham em uma produção diferente. Mesmo à primeira vista, é perceptível a existência de um sistema bem definido. Aqui são plantadas as pimenteiras. Logo ao lado, o bananal. Mais à frente, já começam a crescer as batatas-doces. A poucos metros, as linhas onde a terra está preparada para receber o manival. Aos fundos, uma horta e um viveiro de mudas.
“Para nós, esse trabalho é comunitário e todo mundo tem uma função específica” explica Paulo Ricardo, do povo Macuxi, coordenador regional da juventude na Região Raposa. “Cada um tem sua responsabilidade e seu objetivo para cumprir no final do dia”, acrescenta.
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Antes de adentrar a roça estadual da juventude, Paulo pede que energias e sentimentos negativos sejam deixados para trás. Às margens do sagrado Lago Caracaranã, o centro regional de mesmo nome que aloja a roça exige um respeito especial.
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Localizado na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que foi homologada em 2005, o Centro Regional Caracaranã é frequentemente palco de oficinas e assembleias, como a 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, que ocorreu em março de 2023 e contou com a presença do presidente Lula.
A ideia de se criar a roça estadual da juventude surgiu no ano passado, a partir de uma demanda coletiva das coordenações jovens das nove regiões de atuação do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Depois de uma primeira tentativa no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, que não foi adiante por dificuldades logísticas, as lideranças jovens reafirmaram seu compromisso em janeiro deste ano, agora no Centro Regional Caracaranã.
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Dentro do movimento indígena, a sustentabilidade é um tema especialmente caro à juventude. “Em nossas assembleias, nós sempre fazemos reflexões em relação à sustentabilidade. Mas também precisamos colocar isso em prática”, explica Raquel Wapichana, coordenadora estadual da juventude. “Esse trabalho coletivo no Centro Caracaranã foi uma das nossas primeiras práticas a nível estadual”, acrescenta.
O espaço e reconhecimento dado ao papel de liderança dos jovens representa uma mudança de paradigma relativamente recente dentro do movimento indígena de Roraima. Uma mudança que, a princípio, encontrou obstáculos em lideranças tradicionais. Valério Eurico da Silva, do povo Macuxi, coordenador do Centro Regional Caracaranã, foi uma exceção.
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Desde o princípio, Valério acreditou no potencial da juventude e se prontificou a oferecer todo o suporte necessário ao desenvolvimento das suas iniciativas.
“O que eu estou fazendo aqui é dar apoio. Não só de trabalho na roça, mas de alimento para eles trabalharem, gás, transporte. Eu gosto muito do trabalho deles aqui”, diz. Para Valério, é importante repassar para os jovens o cuidado com o cultivo. “A gente morre pelo próprio alimento que compra.”
Ele espera que, daqui pra frente, os jovens indígenas possam levar uma vida cada vez melhor – e que continuem convidando cada vez mais pessoas para se juntarem não só a esse projeto, como a outros que venham a surgir.
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Mas, para Jefferson Fernandes do Nascimento, do povo Macuxi, professor de agronomia e ex-reitor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), as roças tradicionais indígenas têm grandes desafios pela frente. “A região onde está o Lago Caracaranã está passando por um processo de expansão do agronegócio, especialmente com lavouras de soja e milho”, ele explica.
O professor acrescenta que, em breve, comunidades próximas a essas grandes lavouras irão começar a sofrer os impactos de alterações ambientais, como o excesso de pragas – algo que já viu acontecer na Região Surumu, também pertencente à TI Raposa Serra do Sol.
“É preciso que tenhamos políticas públicas que respeitem os processos antropológicos e a cultura ancestral dessas regiões, para garantir a preservação do patrimônio que são as roças tradicionais”, Jefferson defende.
Hoje, as sementes no plantio da roça da juventude foram doadas por Amarildo Mota, o antigo coordenador do Centro Willimon. Também localizado dentro da TI Raposa Serra do Sol, desde 2019 o centro tem desenvolvido um banco de sementes tradicionais.
“A gente vem resistindo com essas sementes, que foram as mesmas que nossos antepassados trabalharam”, conta Paulo Ricardo. “Elas chegaram a quase desaparecer. Então, no momento, o objetivo da nossa produção não é o consumo, mas sim multiplicar e fortalecer essas sementes para que, no futuro, a gente possa ter segurança de continuar trabalhando com elas.”
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Mas por mais que a juventude tenha muita força física, entusiasmo e disponibilidade, muitas vezes falta conhecimento. Seja aquele tradicional, dos antepassados, seja o conhecimento técnico para uma boa produção.
“Então, quando a gente pensou em trabalhar com a roça, nós buscamos orientações”, conta Paulo. “A gente tem as orientações dos agrônomos formados no Centro Indígena de Formação e Cultura e também aquelas das nossas lideranças, dos nossos anciãos, dos nossos pajés.”
Observando o trabalho dos jovens, Valério acredita que a colheita por vir será farta. O inverno, ele diz, está fraco: a chuva este ano não será tanta a ponto de atrapalhar a lavoura. Basta ouvir os pássaros. “Quando passarinho canta, o inverno vai ser fraco”, ele diz. “A gente aprendeu assim com os velhos. Aqui, a gente não trabalha com a meteorologia dos brancos.”
Mesmo com tão pouco tempo de existência, a roça estadual já sente o efeito das mudanças climáticas. Mas a juventude indígena de Roraima não perde tempo na busca por soluções. Com a chegada da época de chuvas e da temporada de plantio, o cuidado com as pragas é redobrado, com coleta e análise diárias de dados coletados sobre o que acontece nas plantações. Além disso, a roça possui um viveiro onde são preparadas mudas que estejam mais adaptadas ao clima e ao solo.
Hoje, o compromisso da juventude é com a gestão de seu território e sua sustentabilidade. Para Paulo Ricardo, esse é um auto-desafio enquanto jovem e enquanto liderança. “É uma forma de mostrar para nós mesmos e para o mundo que é possível sonhar e trabalhar para que esse sonho se torne realidade”, diz.
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