No estado campeão de exportações e único do Brasil a ter um crescimento do Produto Interno Bruto em 2020, graças ao agronegócio, o oxigênio para abastecer os hospitais da região Norte, onde estão as lavouras de grãos, acaba nesta segunda-feira (22). “Estamos no desespero do oxigênio e correndo contra o tempo para evitar o pior”, explica o Renan Sotto Mayor, defensor Público Federal e defensor Regional de Direitos Humanos.
Segundo o documento repassado pela DPU 28 cidades ficarão desabastecidas. As campeãs de lavoura de grãos, como Sinop, Claudia, Matupá e Lucas do Rio Verde estão entre as que podem não ter oxigênios para os pacientes das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) da Covid-19.
Trata-se de uma notificação extrajudicial entregue aos estados e municípios feita pela empresa Oxigênio dois Irmãos (disponível AQUI), que alega que irá conseguir chegar com as cargas de oxigênio apenas no dia 25 de março, pois teve uma mudança logística em seu abastecimento no Rio de Janeiro. Segundo a notificação do DPU, Mato Grosso tem apenas duas empresas de envasamento de oxigênio, uma em Sinop e outra na Capital.
“A demanda no Líquido/oxigênio passou abruptamente no dia 18 para 10.000 m3 por dia”, diz trecho da notificação. A DPU junto ao Grupo de Atuação Estratégica em Defesa da Saúde Pública (Gaedic Saúde), representado pelo defensor público do Estado de Mato Grosso, Fábio Barbosa, irá entrar em medida judicial conjunta ainda nesta segunda-feira (22).
O governo do Estado publicou uma nota (disponível AQUI) afirmando que o consumo de oxigênio subiu 250%. Segundo a declaração houve aditivos contratuais com o fornecedor sobre logística. O Estado pediu ajuda ao Ministério da Saúde para se resolver os problemas de logística.
Entre janeiro e 20 de março Mato Grosso acumulou 2.328 mortes pela covid-19 segundo o informativo da SES. A medida de mortes quadruplicou de 20 por dia, entre outubro de 2020 a janeiro de 2021, para 120 em menos de 24 horas. Segundo dados do portal do Ministério da Saúde, Mato Grosso tem a quinta maior taxa de mortes do país.
A Fundação Oswald Cruz já previa desde o início de março que as mortes em Mato Grosso iriam duplicar em 28 dias. A capital estava em segundo lugar na taxa de duplicação de óbitos. Os informativos são divulgados diariamente no portal Fiocruz.
Embora não tenha ocorrido planejamento para o oxigênio, novas covas foram abertas nos cemitérios municipais para as vítimas da covid-19.
“Não sei se ela vê as flores que estou plantando aqui. Espero que veja, ela gostava tanto das plantas”, conta com lágrimas nos olhos, Edvaldo Soares da Silva, pedreiro de 57 anos, enquanto termina a sepultura com azulejos simples para companheira no cemitério do Despraiado, na capital de Mato Grosso. O local é destinado às famílias de baixa renda que precisam do apoio do município para os enterramentos.
A sepultura de Epifania, falecida aos 60 anos, é uma das poucas com lápide construída. Nos últimos dez dias mais de 30 covas foram abertas no local. Em uma semana, mais da metade estava ocupada por vítimas da covid-19.
A grande maioria das famílias que recorrem ao Cemitério do Despraiado não tem recursos ou tempo para providenciar lápides e placas. O coveiro local pediu para não ser identificado, mas explicou que estava preocupado, pois tinha que abrir mais 30 covas com urgência. Na parede de gavetas de sepulcros, os parentes se despedem dos entes queridos escrevendo a mão no cimento fresco. É possível ver as pequenas mãos de crianças impressas como um último ato de adeus.
Kit-covid e poucos leitos
“Minha esposa tomou o kit-covid, nem sei o que tinha, ela não estava se sentindo bem há dias, parecia que tinha sofrido um derrame. Primeiros fomos ao Metropolitano (Hospital Metropolitano de Várzea Grande) e de lá foi tomando cloroquina e ivermectina com suspeita de Covid. Mas tivemos alta e ela voltou pra casa, ficou muito ruim, teve um derrame. Fui na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Verdão, mas estava fechada. Fomos duas vezes ao hospital (São Benedito), quando o teste finalmente deu positivo, entraram com ela na internação e saiu morta,” conta Edvaldo.
A diretora do Hospital São Benedito conta que a urgência da unidade foi fechada há dez dias. Todos os recursos do hospital são para atendimento das vítimas da covid-19, porém, já no dia 17 todos os leitos estavam ocupados. Na sexta-feira (19), uma fila de veículos de funerárias foi filmada em frente ao local.
Até 22 de março todas as UTIS públicas e privadas da Capital estavam lotadas. Segundo informações do Boletim da Secretaria de Estado de Saúde (SES), não há vagas nos hospitais regionais do Estado.
Para Luestania Nogueira, diretora do hospital, o pior da pandemia é o desesperos das famílias sobre a impossibilidade de um último adeus. “Quem morre de covid, precisa ser isolado. Saí daqui como um pacote, nem o familiar mais próximo pode ver a pessoa depois que falece, por medidas de segurança é tudo lacrado.”, explica.
O São Benedito foi reestruturada com apoio das verbas destinadas para o enfrentamento a Covid-19. Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), até março de 2021, Mato Grosso acessou recurso de R$ 1,2 bilhão para o combate a pandemia. Destes, R$ 436 milhões foram empregados no enfrentamento ao novo coronavírus e R$ 788 milhões usados na mitigação dos efeitos financeiros na economia local. Cerca de 24,1% desse valor foram despesas administrativas.
Não há vagas disponíveis nos hospitais regionais do Estado. Segundo informações do Boletim da Secretaria de Estado de Saúde (SES), os leitos que aparecem no sistema estão contingenciados a lista de espera. O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso afirma que existem xx pedidos de liminares por leitos de UTI neste momento.
Despreparo
A SES afirma que o número alto de mortes pela Covid, se dá pela grande número de testagens realizadas em Mato Grosso. “A Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT) esclarece que o Estado de Mato Grosso tem um índice de testagem maior do que a média nacional, o que pode levar a uma menor subnotificação e à alta detecção de casos confirmados e óbitos pela Covid-19. De acordo com o ranking da plataforma WCota, mantida pela Universidade Federal de Viçosa, Mato Grosso é o segundo estado que mais testa no Brasil – com 28,1 mil testes para cada 100 mil habitantes.”, explicou a assessoria em nota.
O conselho Regional de Medicina (CRM) de Mato Grosso tem outra teoria. A entidade denuncia o despreparo de mais da metade dos médicos que atendem nas Unidades de Tratamento Intensivo da Covid-19. “Fizemos várias fiscalizações, e verificamos que mais da metade dos profissionais que estão nessas unidades não tem especialização de intensivistas ou infectologista. Muitos são formados na Bolívia e Paraguai e exercem a profissão após o exame do revalida”, diz Hildenete Monteiro Forte, presidente do CRM/MT.
A médica explica que encaminhou cópias das fiscalizações aos Ministério Público de Estado e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para que as entidades tomassem providencias. Para ela a questão não seria falta de médicos e sim os valores pagos. “O estado de Mato Grosso recebeu muito dinheiro para o combate a pandemia do novo corona vírus. Porém, não remunera bem os profissionais de saúde e a grande maioria dos médicos especialistas não querem se expor aos riscos da Covid-19 frente ao que está sendo pago. Não faltam médicos, o que falta é remuneração”, explica.
Segundo assessoria de imprensa do TCE, existem quatro processos sobre a questão dos médicos nas UTI da covid-19 em Mato Grosso. A SES alegou que não tinha conhecimento da situação quando foi questionada sobre os critérios de contratação. “É necessário saber quais os hospitais que foram alvo dos apontamentos feitos pelo Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), pois o Estado responde somente pelas unidades hospitalares da Rede Estadual”.
O processo de número 161870/2020 envolve a própria SES e a Organização Goiana de Terapia Intensiva desde agosto de 2020. Outro processo envolvendo o estado esta relacionado ao Hospital Regional de Colíder e data de julho de 2020. Ambos processos estavam sobre relatório da Conselheira Jaqueline Maria Jacobsen Marques.
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT) já abriu em Cuiabá três inquéritos para apurar as irregularidades das UTI. “As ações seguem os relatórios recebidos do CRM e do DENASUS”, afirma Alexandre Guedes, promotor de Justiça. “Deve ser lembrado, entretanto, que conforme o próprio CRM costuma lembrar, um médico formado é registrado pode atuar em qualquer área mesmo sem o título de especialista que é concedido por sociedades separadas da profissão médica”, diz.
Remédio para sarna
O Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso (Coren/MT) também denuncia irregularidades. Além da falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), em suas fiscalizações, os membros do Coren-MT encontraram diversos pacientes com sequelas produzidas pelos medicamentos do kit-Covid, como a cloroquina (hidroxicloroquina ou HCQ), azitromicina e ivermectina, este ultimo para combater piolhos e sarna.
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) em julho de 2020, lançou o informe de número 16 ( AQUI ) no qual se posiciona contra o uso da Cloroquina no tratamento da Covid-19, mesmo nos casos de intervenção precoce, como chama o governo federal e estadual.
Segundo a SBI “Nenhum benefício virológico, nem clínico foi observado nos pacientes que receberam HCQ, em comparação ao grupo que não recebeu nenhum tratamento farmacológico (grupo placebo)”.
A SBI recomendou o abandono total da cloroquina no Brasil. “Diante dessas novas evidências científicas, É URGENTE E NECESSÁRIO que:
a) a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da COVID-19”, descreve o texto.
A ivermectina, contra pilhos e sarna, e outros antiparasitários também é combatida pela sociedade médica por não ter sua eficácia comprovada em seres humanos para combater a infeção viral. “Os antiparasitários ivermectina e nitazoxanida parecem ter atividadein vitro contra a SARS-CoV-2, porém ainda não há comprovação de eficácia in vivo, isto é, em seres humanos. Muitos dos medicamentos que demonstraram ação antiviral in vitro (no laboratório) não tiveram o mesmo benefício in vivo (em seres humanos). Só estudos clínicos permitirão definir seu benefício e segurança na COVID-19“, afirmou a SBI na nota n. 15 de julho de 2020. ( AQUI)
No mesmo documento a SBI questionava o uso da azitromicina. Segundo a SBI esse antibiótico pode gerar arritmia cardíaca e pode levar pacientes cardíacos a morte. “A associação da hidroxicloroquina com o antibiótico azitromicina foi descrita em estudos observacionais e não trouxe benefícios clínicos. Além disso, os dois medicamentos estão associados ao prolongamento do intervalo QTc no eletrocardiograma, que predispõe à arritmia cardíaca. O uso combinado pode potencializar esse efeito adverso, com eventual desfecho clínico fatal, especialmente em pacientes com doenças cardíacas, uma vez que a própria infecção pela COVID-19 pode causar dano ao órgão. Também se deve levar em consideração que antibióticos não têm indicação em infecções virais; seu uso indiscriminado e inadequado favorece a resistência bacteriana. O potencial benefício clínico do efeito “antinflamatório ou imunomodulador ̈ da azitromicina em pacientes com COVID-19 ainda está por ser comprovado.”
A assessoria de imprensa de Mato Grosso nega que tenham sido distribuídos kit-covid com cloroquina na Arena Pantanal, local de atendimento e triagem das vítimas da covid. Porém um release da própria assessoria informou que foram distribuídos 12 mil kits no local, alguns contendo cloroquina prescrita por médicos contratados pelo estado. (AQUI)
A coordenadora do setor de farmácia, Cristiane de Oliveira Rodrigues, explicou na matéria da assessoria do governo que para cada fase da doença era receitado um tipo de medicamento para o tratamento do paciente, seja positivo ou suspeito do novo coronavírus.
“Os remédios são receitados de acordo com a fase da doença. As vezes o paciente chega aqui no Centro apenas com sintomas de leves dores no corpo, mesmo sendo positivo ou negativo para doença ele recebe uma dipirona para tratar febre e dores. Caso o paciente tenha o resultado positivo para doença, o médico já inicia o tratamento com azitromicina na fase inicial, ivermectina e cloroquina”, disse Cristiane em 02 de setembro de 2020.
O Conselho Federal de Enfermagem se posicionou contrário ao uso do kit-covid no tratamento da Covid-19, seja qual for o estágio da contaminação. A nota técnica foi republicada em Mato Grosso pelo Conselho Regional AQUI.
“Vários profissionais do estado encontram pacientes com lesão hepática grave, hepatocidade, por conta do uso dos medicamentos do kit-covid. Esse tipo de situação dificulta até o tratamento com os medicamentos para serem aplicados dentro das Unidades de Terapia Intensivas (UTIs), como os anticoagulantes.”, explica Pedro Neto de Souza, enfermeiro fiscal do Coren/MT.
A falta de dimensionamento da Pandemia é outro problema apontado pelos representantes da entidade. A segunda onda da Covid-19, somada ao uso de medicamentos indevidos e falta de planejamento pode criar um aumento descontrolados de mortes em Mato Grosso. “Em fiscalização já encontramos unidades de saúde com álcool gel vencido, falta de EPI para equipe de enfermagem, e até recintos de descanso ao lado do lixo e com camas amontoadas. Há muito tempo estamos indo além do que é exigido de dimensionamento de atendimento”, explica .
Segundo a resolução 543 do Cofen ( AQUI ) seria necessário algumas normas técnicas e equipes mínimas para se garantir um bom atendimento à população. Em uma situação fora do contexto de pandemia são exigidos um enfermeiros e cinco técnicos para cada oito leitos. “Existem estudos e relatos das situações com equipes reduzidas cobrindo quase o dobro de leitos. Com aumento dos casos, isso pode piorar e não segurar o atendimento no caso de aumento de pacientes, vamos ter gente nos corredores”, diz Alcebiades Moreira, enfermeiro e fiscal do Coren-MT.
Foram registradas 1,1 mil casos de contaminação pelo novo coronavírus entre os profissionais de enfermagem. Destes, 43 morreram em decorrência da doença. Os técnicos de enfermagem, que tem um contato extremo com os pacientes, são as maiores vítimas. Mesmo com a vacina, muitos profissionais já relataram terem sido contaminados.
“Vem mais leve no caso de já ter sido vacinado. Mas estamos recebendo casos de contaminação pós vacina,” diz o enfermeiro Pedro.
Gastos inúteis
O texto assinado pelo médico infectologista Clóvis Arns da Cunha recomendou que os Estados não destinassem a verba de combate a Pandemia para a compra do Kit-Covid. “Os agentes públicos, incluindo municípios, estados e Ministério da Saúde reavaliem suas orientações de tratamento, não gastando dinheiro público em tratamentos que são comprovadamente ineficazes e que podem causar efeitos colaterais”, descreve trecho da nota.
Em Mato Grosso, a Secretaria de Estado de Saúde afirmou que foram gastos R$ 3.397.095 milhões na compra de azitromicina para uso unidades e distribuição aos 141 municípios. Segundo nota da SES: “A compra e o fornecimento de cloroquina são realizados pelo Ministério da Saúde. Não foram repassadas informações sobre a Ivermectina pelo Estado”.
Apesar da negativa, em 22 dezembro de 2020, O estado chegou a pedir licença de licitação para adquirir a cloroquina. Como consta no diário Oficial de número 27.093, no qual a secretária Executiva de Saúde da Secretaria de Estado de Saúde, Danielle Pedroso Dias Carmona Bertucini, afirma que segundo o parecer Jurídico no 3.629/SGAC/ PGE/2020 às fls. 152/170, fundamentado no Artigo 24, Inciso IV, da Lei 8.666/93, irá comprar R$ 52.170,00 mil reais do medicamento Cloroquina da Medcom Comércio de Medicamentos Hospitalares LTDS. O objeto da compra segundo o pedido era “Aquisição de medicamento HIDROXICLOROQUINA, para atender aos usuários do Sistema Único de Saúde – SUS”.A licença de licitação é uma prerrogativa exclusiva aos medicamentos usados no combate à Covid-19.
Municípios como Nova Olímpia também chegaram a pedir dispensa de licitação. No caso para compra e manipulação da Cloroquina e Ivermectina no valor de R$ 77.100 reais, segundo Diário Oficial de número 27.817. Em 2021, a prefeitura Vila Rica e o próprio estado de Mato Grosso também fizeram tomadas de preços para a compra do remédio.
A Prefeitura de Cuiabá afirma não fazer compras de cloroquina, porém adquire ivermectina e azitromicina. Segundo assessoria da prefeitura a recomendação do kit-covid tem como referência a nota informativa nº 17/2020- SE/GAB/SE/MS e a Portaria Nº 053/2020, da Secretaria Municipal de Saúde. O uso dos medicamentos só é indicado para casos leves da doença. Para receber o kit, o paciente precisa antes passar por consulta médica, quando é orientado e assina um termo de consentimento.
Na portaria municipal de n.º 053.2020 os medicamentos azitromicina e ivermectina integram o KIT COVID-19 da capital mato-grossense. A portaria afirma que os medicamentos nas doses prescritas (não informadas no documento) são de baixa toxidade e “estudos recentes comprovam eficácia (in vitro) para a Ivermectina”, porém o documento não faz referencia a ausência de testes em humanos no tratamento do novo coronavirus. Também se afirma que “Considerando o resultado positivo observado em varias localidades onde os medicamentos do Kit-covid-19 foi implantado precocemente”.
No site do TCE existem inúmeros processos contestando a compra desse medicamentos. Muitos gestores são investigados por desvios nas compras como em Alta Floresta e Carlinda. O mais notório caso envolve a gestão de 2020 da Prefeitura de Várzea Grande, sob o comando de Lucimar Campos.
Na unidade especial de atendimento à Covid-19, montada na Policlínica do Parque do Lago, muitos afirmam terem tomado cloroquina, azitromicina e ivermectina. Uma tenda foi montada fora da unidade de saúde para a espera de atendimento dos pacientes com sintomas da covid-19. Na terça, 16, cerca de trinta pessoas esperavam para conseguir uma consulta e fazer o exame. A gestora da unidade, Poliana Brito, explicou que nos testes rápidos acabaram e que todos estavam fazendo o teste molecular (PCR-RT). O exame é mais preciso, porém leva quase duas semanas para o resultado ser divulgado pelo Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen).
Mesmo sem resultado positivo, os pacientes com sintomas de Covid saíam da unidade com um kit de medicamento prescrito, alguns com azitromicina. O eletricista João Alves Pereira, estava na unidade e afirma que seu teste foi positivado para o novo coronavírus. “A médica me prescreveu o kit-covid, tomei tudo, azitromicina, cloroquina e ivermectina. Agora estou melhor”, explica João, confiante no tratamento. Segundo o eletricista não houve qualquer conversa sobre efeitos colaterais. “É o que nos salva, né? O Kit”, disse João.
A Ivermectina é um medicamento de uso veterinário, adaptado ao uso humano para o tratamento de piolho e sarna. Não há qualquer conexão ou comprovação científica de que o medicamento possa atuar como um antiviral contra o novo coronavirus. Além de ineficiente, o medicamento pode causar lesão hepática e dificultar o tratamento dos pacientes que apresentam quadros graves após a contaminação pelo vírus da Covid-19.
Em janeiro foi pulicado o primeiro estudo científico sobre os remédios usados no combate a covid-19, como hidroxicloroquina, remdesivir, lopinavir e interferon. A pesquisa publicada na revista científica New England Journal of Medicine foi conduzida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com apoio da Fiocruz. (AQUI) O estudo afirmou que todos os medicamentos tiveram pouco ou nenhum efeito em pacientes hospitalizados com o novo coronavírus. Desde 2020, a OMS afirma que não há tratamento precoce contra a Covid-19.
A única solução mundial é a vacinação. Até março, nem 8% da população de Mato Grosso havia recebido a primeira dose da vacina contra o novo coronavírus. O estado de 3,224 milhões de habitantes, vacinou 187.670 pessoas (AQUI).
A estrutura de atendimento já começava colapsar no início de março conforme denunciou os integrantes do Coren-MT. São menos mil leitos de UTIS destinadas a Covid-19 em todos os 141 municípios mato-grossenses. Existem apenas 1423 respiradores e cerca de 80 municípios não tem respiradores e leitos de UTIS, como Chapada dos Guimarães, Barão de Melgaço, Poconé, Colniza, Sapezal entre outros (aqui).
Negacionismo presidencial
Uma das grandes influencias do uso do kit-covid e do negacionismo em Mato Grosso é o próprio presidente da república, Jair Bolsonaro (sem partido). A prescrição de remédios como cloroquina, ivermectina e outros é estimulada desde o início da pandemia pelo presidente, que foi filmado e fotografado inúmeras vezes com caixas de cloroquina na mão. Bolsonaro chegou a perseguir uma das emas que vivem na área verde do Palácio da Alvorada com uma caixa do remédio.
Na sexta-feira (19), o presidente que poucas entrevistas concede à imprensa, ligou de Brasília para uma rádio local da cidade de Camanquã, a 129 quilômetros de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O motivo da ligação presidencial foi a defesa de uma médica demitida por fazer o uso de cloroquina em paciente através de um nebulizador.
Apoiador público do presidente, Mauro Mendes, governador de Mato Grosso pelo DEM, em 2020, chegou a ser indispor com o prefeito da Capital, Emanuel Pinheiro sobre o apoio à prescrição da cloroquina.
Nem a alta dos casos e ou as recomendações das entidades nacionais e internacionais de saúde mudaram a opinião do governador sobre o tema. A cloroquina segue liberada de prescrição em todo estado, que não dispõe de oxigênio para suas UTI.
“A princípio esses medicamentos estão sendo distribuídos com base em ato do Ministério da Saúde.”, explica Alexandre Guedes, procurador de Justiça do MPMT. “Entretanto está sendo ainda analisado pelo MPMT em Cuiabá se a distribuição desses medicamentos viola os princípios constitucionais da administração pública para a tomada das medidas cabíveis.”, conclui.
Mendes também segue as recomendações do presidente quanto a flexibilização da quarentena restritiva para conter a Pandemia. A medida é considerada a segunda melhor, depois da vacina. O decreto Estadual de 01 de março é um dos mais flexíveis do país, no geral as atividades apenas foram restritas no período das 19h até as 5h da manhã. Nos outros horários, shopping-centers, eventos com até 100 pessoas e bares seguem abertos (disponível aqui).
O negacionismo das atividades restritivas para contar a Pandemia e as mortes ecoa na população. Na capital, no dia 14, com marchinhas patriotas, centenas de cuiabanos protestaram na avenida principal da cidade a favor do presidente Bolsonaro e contra a quarenta restritiva. A maioria dos carros envolvidos no ato eram camionetes e veículos de luxo.
Em Rondonópolis, uma carreata com algumas dezenas de veículos fez um protesto contra o “lockdown. A cidade é a segunda em casos de mortes pela Covid-19 em Mato Grosso. Festas clandestinas e bares funcionado nos horários restivos da quarentena também são eventos comuns em todo estado, apesar da fiscalização tentar conter esses eventos.
“Fiquei doente após um filho meu se contaminar. Ele nunca respeitou a quarentena, acabou passando em mim. Ainda estou me recuperando”, afirmou João Alves Pereira, eletricista que como outras 30 pessoas aguardavam ser atendido em uma Upa de Várzea Grande. “Eu tomei o kit-covid. O que ia fazer, afinal é o medico que indica”, conta João.
As autoridades divergem sobre a existência de um plano emergencial no caso de aumento descontrolado dos casos da covid-19. A SES afirma que a medida envolve a abertura de 160 novos o leitos de UTI, 500 novos leitos clínicos, 150 leitos home care de retaguarda, 500 mil testes rápidos, entre outras medidas.
O TCE afirma desconhece a existência de um plano emergencial. O MPMT também afirma não existir tal planejamento. “Temos acompanhado as reuniões do comitê estadual da covid, onde são traçados os planos conforme a situação epidemiológica; além das ações já feitas cobrando o cumprimento das medidas já determinadas pelo governo estadual, não há pedido específico de plano emergencial, o que pode ser feito ainda caso necessário”, diz Guedes do MPMT.
Apenas 8% dos 3,2 milhões de habitantes do estado tomaram as duas doses da vacina contra o novo coronavírus até o dia 22 de março. A taxa de vacinação mato-grossense esta abaixo da média nacional segundo informações do Ministério da Saúde.
Reportagem realizada com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund ( Amazon RJF) em parceria com o Pulitzer Center.
Texto: Juliana Arini
Fotografias e aéreas: Ahmad Jarrah